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Puma: 'Quando eu era gay, era muito fácil, travesti é um outro lugar'

Por meio da arte, o coletivo quer abrir novas possibilidades de existência para pessoas trans - Divulgação/Caio Oviedo
Por meio da arte, o coletivo quer abrir novas possibilidades de existência para pessoas trans Imagem: Divulgação/Caio Oviedo

Thaís Ferrari

Colaboração para Ecoa, em Valinhos (SP)

23/05/2023 06h00

Imagine só: uma mistura de capoeira com vogue (performance que se popularizou na década de 1980 em Nova York por comunidades LGBTQIA+ negras e latinas). É esta a união que tem acontecido todo dia em Campinas (SP), graças à Puma Camillê.

"Juntar as duas coisas não foi uma opção, não foi pensado. Eu sou capoeirista e vivo a capoeira nas minhas entranhas" diz a artista.

Ainda durante a pandemia, ela se juntou a Quantik, Jhordan Lunarte e Tatis Moranguinho, seus alunos mais antigos, para treinar e acabou transformando a prática em um projeto, o Capoeira para Todes - que hoje oferece aulas e workshops a pessoas trans.

O que é o vogue femme

Manifestação artística, semelhante a um estilo de dança, o vogue femme foi criado no Harlem, bairro de Nova York, por pessoas trans e pretas que faziam parte da ballroom, comunidade que reunia afroamericanos e latinos em bailes LGBTQIA+ da cidade.

"Vogue não é dança, é uma forma de manifestação, existe um ritual para aquilo acontecer", explica Puma. Ligada ao glamour, à moda e à exclusividade, a cena ballroom, nas palavras da artista, expressa "tudo que o capitalismo ama, acessado por pessoas pretas e trans".

A multiartista Puma Camillê, fundadora do coletivo LGBTQIA+ Capoeira para Todes - Divulgação/Caio Oviedo - Divulgação/Caio Oviedo
A multiartista Puma Camillê, fundadora do coletivo LGBTQIA+ Capoeira para Todes
Imagem: Divulgação/Caio Oviedo

Apesar das diferenças, lembra ela, as comunidades da capoeira e do vogue se potencializam como um grito de liberdade.

'Travesti é um outro lugar': a exclusão na capoeira

Após conhecer a capoeira na escola aos seis anos, Puma passou boa parte de sua infância longe da prática, até que, aos 14, ela descobriu as aulas do Grupo Arte Cultural, numa igreja perto da sua casa, na periferia de Campinas, onde permaneceu até terminar o ensino médio.

Puma chegou a se tornar protagonista de um dos maiores grupos de capoeira do Brasil, viajando para mais de 30 países na função de professora do coletivo.

Nessa época, ela ainda se identificava como um homem gay. "Quando eu era gay, era muito fácil, travesti é um outro lugar", diz.

Em transição de gênero há cerca de oito meses, a artista conta que sofreu para se enquadrar nos grupos de capoeira, já que as rodas eram na maior parte das vezes muito masculinas e reproduziam uma cultura de violência e abusos.

"A capoeira me apresentou um quadrado muito grande, mas eu não cabia nele", diz.

Incomodada com a falta de representatividade LGBTIA+ na capoeira, não somente no Brasil como em outros países, a artista entendeu que algo precisava ser feito.

Em 2019, ela decidiu ensinar sobre gênero nesses espaços. Achou que seria ouvida e conseguiria mudar a situação, mas como resultado, acabou expulsa.

De sua ruptura com coletivos de capoeira tradicionais nasceu a sua aproximação com o vogue, no Capoeira para Todes.

Parte do Coletivo Capoeira para Todes. Desde o pós-pandemia, o grupo está levando a mistura de capoeira e vogue para dezenas de países - Divulgação/Caio Oviedo - Divulgação/Caio Oviedo
Parte do Coletivo Capoeira para Todes. Desde o pós-pandemia, o grupo está levando a mistura de capoeira e vogue para dezenas de países
Imagem: Divulgação/Caio Oviedo

Arte para 'modificar o futuro'

Com a proposta de trocar experiências e amor, como uma grande família, o coletivo está levando a proposta para diferentes países.

Segundo Puma, a proximidade racial e social entre os praticantes da capoeira e do vogue propiciou a junção de ambas como uma grande potência cultural.

"Eles queriam aprender movimentos que viam na roda [de capoeira], e [depois tudo se] misturou. Falavam da mesma coisa, só eram comunidades que não se encontravam. Gente preta, de favela, algumas trans, LGBT, e outras que estavam na risca do tráfico de drogas e iam para a capoeira, essas duas manifestações da quebrada", diz a artista.

Para Quantik, que ministra aulas de vogue, juntar arte e ancestralidade representa um caminho real para enfrentar a transfobia. "É uma mistura perfeita para comunicar a transgressão e modificar o futuro", afirma.

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